Por Denise Luna
Rio, 28/08/2020 – Todo dia uma comercializadora do mercado livre bate à porta da Única, associação que reúne a indústria da cana-de-açúcar, para conhecer o selo verde de energia. Criado em 2015, o selo vem ganhando força no segmento desde o ano passado, alinhado com a crescente necessidade das empresas comprovarem adesão a formas sustentáveis de consumo de energia. Munidas do selo, as comercializadoras podem comprovar a origem da compra de energia e aumentar a competitividade da biomassa entre tantas fontes.
“Quando a comercializador obtém o selo energia verde é uma comprovação técnica de que ele adquiriu uma energia sustentável, e no meio de tantas fontes, o consumidor escolhe para comprar a biomassa, em vez de uma hidrelétrica, térmica, ou eólica”, diz o gerente de Bioeletricidade da Única, Zilmar José de Souza.
Segundo ele, os objetivos do programa são oferecer ao mercado livre a possibilidade de mostrar preocupação com o consumo de energia elétrica renovável e estimular a expansão da bioeletricidade e do próprio ambiente livre. Do total gerado por essas usinas de cana certificadas, cerca de 64% é destinado a esse mercado, informa Souza.
Fruto de uma parceria entre a Única e a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), com apoio da Associação Brasileira das Comercializadoras de Energia (Abraceel), o programa selo verde atualmente conta com 16 comercializadoras, 83 usinas de cana e um consumidor, o Clube Paineiras do Morumbi, recém-chegado ao seleto grupo. Entre as comercializadoras, a paulista Argon é uma das mais recentes, e aposta no aumento de vendas com o diferencial trazido pelo selo.
“Alguns consumidores têm pedido (o selo) para terem certeza de que estão recebendo uma fonte sustentável. É mais um produto que oferecemos no portfólio para nossos clientes. Comercializadora é igual supermercado, você tem um portfólio de produtos e o consumidor escolhe o que é melhor para ele”, explica o diretor da Argon, Moacyr Carmo.
O selo não tem custo para os participantes do programa, mas estabelece critérios. As comercializadoras precisam comprar pelo menos 0,6 MW médio das usinas certificadas durante seis meses, além de ser associada da Abraceel. Já o consumidor tem que garantir pelo menos a compra de 20% do total da energia demandada em biomassa.
“A gente quer estimular contratos de mais longo prazo no setor e ter mais escala, isso é representativo para a bioeletricidade”, explica o gerente da Única.
As usinas certificadas geram quase 20 mil gigawatts-hora (GWh), equivalente a 12% do consumo anual industrial de energia elétrica no Brasil ou a metade do consumo anual das residências no estado de São Paulo, informa Souza. O executivo reforça que a fonte também tem a vantagem de evitar a emissão estimada de quase 7 milhões de toneladas de gás carbonônico (CO2), marca que somente seria atingida com o cultivo de 46 milhões de árvores nativas ao longo de 20 anos.
Desafios para expansão
Souza afirma que o potencial da biomassa de cana no Brasil ainda é subvalorizado, representando apenas 15% do total de bioeletricidade que poderia ser gerada. “Se a gente aproveitasse toda biomassa presente nos canaviais, poderia chegar a 142 terawatts-hora (TWh)”, avalia, lembrando que a biomassa hoje representa apenas 8% de toda energia gerada em todo País.
“Além do critério da sustentabilidade, a biomassa tem a vantagem de não ser intermitente como a geração eólica e a fotovoltaica. Pode ser até sazonal, porque acompanha a safra da cana, e a geração vai de abril a novembro pela colheita, mas pode inclusive ajudar o crescimento ainda mais forte das fontes intermitentes, que são muito bem vindas, e ajudar a armazenar água nos reservatórios das hidrelétricas, já que coincide com o período seco”, explica Souza.
Ele afirma que a biomassa não tem a mesma atenção e o mesmo cuidado que as fontes eólica e solar recebem do governo, e teme pela queda de participação na matriz elétrica brasileira se nada for mudado. Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que a participação da biomassa na matriz vai cair dos atuais 8% para 2% em 2024.
“Não estamos tendo crescimento tão bom quanto as demais fontes, mas discussões no Congresso podem mudar isso, no âmbito da reforma do setor elétrico”, informa. A expectativa é de que o modelo atual dos leilões seja modificado, com a realização de certames específicos por fonte, e que os atributos da biomassa, como a não intermitência, seja levado em consideração da hora de formar o preço de venda da energia.
Apesar da maior parte da oferta comercializada no mercado livre, os leilões, que vendem energia no mercado regulado, também são importantes para o setor por dar previsibilidade de geração de receita aos produtores, destaca. “Se toda essa valoração sair do papel, acredito que a biomassa chega mais competitiva no fim do processo de modernização do setor elétrico”, aposta.
Fonte: Broadcast Estadão
28.08.2020